1905 ~ 1978
Ismael Silva
Mílton de Oliveira Ismael Silva, cantor, compositor e violonista. Y 14/9/1905, Jurujuba, Niterói, RJ - V 14/3/1978 de enfarte.
Filho de Benjamim da Silva e Emília Corrêa Chaves.
Quando Ismael tinha apenas três anos seu pai faleceu. Seu Benjamim trabalhava como cozinheiro de um hospital, e ao falecer, deixou sua esposa sem recursos para criar seus cinco filhos pequenos. Desamparada, d. Emília apelou para os parentes, que ficaram cuidando de seus seus quatro filhos mais velhos e mudou-se para o Rio de Janeiro, no bairro do Estácio, com o caçula Ismael, para tentar a vida como lavadeira.
Aos sete anos Ismael descobriu que queria estudar. Como sua mãe não atendia a seus apelos de levá-lo à escola, o jovem garoto resolveu seu problema sozinho, de acordo com seu próprio depoimento1 : "(...) um dia, sem ninguém saber, entrei pelo colégio adentro (...). Cheguei na primeira sala, que era da diretora e tal, e ela me perguntou o que eu queria. Eu disse que queria estudar. Tinha fome de saber, eu quero saber ler e tal... Então criou-se um caso: a diretora me chamou... parou as aulas e as professoras vieram para assistir aquilo... era uma coisa diferente...". Matriculado e feliz, Ismael conta que foi um aluno muito aplicado; suas notas eram as mais altas da escola e os professores o escolheram como monitor para ajudar os colegas com dificuldade.
Durante sua juventude Ismael morou em outros bairros, (Rio Comprido e Catumbi) mas voltou ao Estácio, na mesma época em que terminou o ginásio, aos 18 anos. Já compunha e tocava tamborim. Ainda não tocava violão, instrumento que aprendeu muitos anos depois de ficar famoso no meio artístico. Ou seja, para compor precisava apenas batucar. Letra e música nasciam juntas, simultaneamente; Sua primeira composição, o samba Já desisti, nunca foi gravada. Já Me faz carinhos, seu primeiro sucesso, foi gravado em 1925 pelo pianista Orlando Thomás Coelho, conhecido como Cebola. Essa música foi responsável pela aproximação de Francisco Alves e Ismael Silva. O cantor, já muito conhecido, estava interessado pelas belas composições do sambista do Estácio, principalmente Me faz carinhos, e propôs ao compositor que lhe desse exclusividade e parceria, e em troca gravaria todas as suas composições. Empolgado, Ismael não hesitou, e aproveitou para incluir no negócio o seu parceiro, Nílton Bastos, formando assim um trio, que posteriormente ficou conhecido como Bambas do Estácio. Ismael e Nílton compunham e Francisco Alves gravava, entrando também na autoria. Mas em algumas composições da dupla (ou trio) só constava o nome de Francisco Alves. Ofendido, Nílton reivindicou seus direitos. A partir daí as músicas apareciam sempre com o nome dos três.
O Estácio, na década de 20, era um reduto de bons compositores como Rubem Barcelos, seu irmão Bide (Alcebíades Barcelos), Marçal, Edgar Marcelino, Brancura, Nílton Bastos, entre outros, que promoviam famosas rodas de samba. O carnaval carioca ainda era comemorado de forma violenta; os foliões jogavam água suja uns nos outros, quando não farinha, ovos, laranja podre, etc., heranças do famoso entrudo. Diante de inúmeros protestos da polícia, o entrudo foi sendo substituído pelos blocos, cordões e ranchos, sendo este último o responsável pela figura do mestre-sala, da porta-estandarte e de passistas ricamente fantasiados. Os ranchos tinham música própria, cadenciada e foliões bem-comportados que marchavam pelas ruas ao som da marcha-rancho. Esse ritmo lento não agradava os foliões das novas gerações, que buscavam algo mais alegre para o carnaval. Pensando nisso, e também em se livrar da perseguição policial que sofriam, em 1928 Ismael e seus companheiros do Estácio formaram um bloco chamado Deixa falar, que desfilou em 1929 ao som de um ritmo mais acelerado do que o ritmo dos ranchos, com surdos e tamborins marcando esse novo andamento, o samba. Esse bloco foi o precursor das Escolas de Samba, e o curioso nome Deixa falar surgiu porque outros blocos ou "agrupamentos" de outros bairros criticavam muito os sambistas do Estácio, que respondiam simplesmente com a expressão "Deixa falar". Já a palavra "escola", segundo Ismael, surgiu baseada no fato de haver uma escola de ensino normal nas imediações do bairro. Se aquela era uma escola "normal", que formaria professores para a rede escolar, a Deixa falar seria uma escola de samba, pois formaria professores de samba! A Escola desfilou de 1929 a 1931, e consta que não teve continuidade pela perda de dois de seus fundadores, Nílton Bastos, que morreu de tuberculose em 8 de setembro de 1931 e Edgar Marcelino, que foi assassinado em 25 de dezembro do mesmo ano. Desiludido, Ismael mudou-se para o Centro, e a Escola, que já tinha plantado a semente das escolas de samba, teve seu precoce fim.
Com a morte de Nílton Bastos o trio ficou desfalcado, porém Ismael continuava compondo e dando parceria para Chico Viola. Alguns amigos do sambista do Estácio tentaram alertá-lo. Francisco Alves sempre saía ganhando, explorava o compositor. Sem alternativas, ou talvez por puro comodismo, mas consciente e incomodado, Ismael manteve a "parceria". As coisas caminharam tranqüilas até que Ismael, por acaso, conheceu o compositor Noel Rosa. O Rei da Voz estava conversando num bar com Noel quando Ismael chegou com um refrão fresquinho, que tinha acabado de compor. Impressionado com a beleza do estribilho, Noel se ofereceu para fazer a segunda parte. Francisco Alves, empolgado com o talento dos dois compositores, convidou Noel para substituir Nílton Bastos na parceria. O poeta da Vila aceitou, mas como já conhecia os "métodos" do cantor, se preveniu - impôs a condição de que o que fosse feito só por ele não teria parceria. Francisco Alves concordou. Formou-se assim um novo trio, que também ficou conhecido como Bambas do Estácio, além de Batutas do Estácio, Gente Boa e Turma da Vila. Noel e Ismael compunham e geralmente faziam coro nas músicas que Chico gravava, tendo seu nome incorporado à dupla. Noel Rosa, que também tinha feito negócios em troca de composições com Francisco Alves, insistiu muito para que Ismael se tornasse independente.
A "parceria" Noel/Ismael/F. Alves durou até 1934, ano em que Ismael criou coragem para se desvencilhar de Francisco Alves. Afinal, o sambista já era conhecido no meio artístico e vários intérpretes o procuravam para gravar suas músicas; não dependia mais de Chico Viola. Além de sentir-se explorado, Ismael sentia-se humilhado; O Rei da Voz tinha o hábito de apresentar Ismael em seus shows como "o preto de alma branca". Isso magoava muito o sambista do Estácio. Mas de fato o grande problema era a exploração de Francisco Alves, que exigia exclusividade por parte de Ismael e Noel, e, no entanto, gravava músicas de todo mundo. Influenciado por Noel Rosa e outros compositores do meio Ismael pôs fim a esse acordo do qual ele levava sempre a menor parte. Rumo à independência com uma carreira voltada para o sucesso.
Mas a vida dá muitas voltas, e a de Ismael mudou radicalmente. Envolveu-se numa briga de bar e atirou em Edu Motorneiro, um cidadão conhecido nas rodas boêmias cariocas, sem no entanto matá-lo. As razões para ter cometido tal loucura são controversas. Uns dizem que foi para defender sua irmã Orestina, outros dizem que os dois homens estavam disputando a mesma mulher, brigas de ciúme. A segunda hipótese foi rejeitada pelos que conheceram Ismael, pois diziam que não era essa a preferência sexual do compositor. Por mais que tentasse disfarçar, os boatos corriam no meio artístico. Realmente, o único romance de Ismael de que se tem notícia foi com uma passista do Estácio, Diva Lopes Nascimento, em 1936, que durou um mês e gerou uma filha, Marlene Martins Batista. Esse fato só veio ao conhecimento do público no dia da morte de Ismael. Sua filha declarou que o pai não quis registrá-la, mas sabia de sua existência. Ismael só aproximou-se dela no fim da vida. Nenhum outro relacionamento do compositor tornou-se público. Enfim, preso em flagrante, Ismael foi condenado a cinco anos de prisão. "Malandro, inveterado jogador de chapinha, tentando viver de samba numa época em que sambista era quase sinônimo de vagabundo, tinha sido preso inúmeras vezes."2 Envergonhado, o sambista refugiou-se em Teresópolis até o julgamento. Pelo seu bom comportamento enquanto esteve preso, Ismael não precisou cumprir os cinco anos de pena, mas dois. Quando saiu da cadeia estava completamente deslocado; Francisco Alves, antes seu "parceiro", sentindo-se "traído" agora não queria saber mais dele; Noel Rosa, seu grande amigo, morreu quando Ismael ainda estava na cadeia; "(...) um homem de brio, sensível e orgulhoso, Ismael se deixaria dobrar ao peso da vergonha de ser um ex-convicto. Passou a evitar os amigos, o meio artístico, os lugares de sempre. Tinha medo que lhe fizessem perguntas sobre o que tanto queria esquecer. Enfim, desapareceu. Houve até quem o julgasse morto. Sozinho, triste, sem dinheiro, perambulou por aí."3 Sabe-se que foi morar com uma irmã e alguns sobrinhos, mas de repente desapareceu. E só voltou ao convívio dos amigos e familiares a partir da década de 50, quando teve seu grande sucesso Antonico gravado por Alcides Gerardi.
Com sérios problemas financeiros Ismael vivia às custas de minguados direitos autorais, quase uma ninharia. Sempre desempregado, "ele dizia que considerava o samba como seu único trabalho. Mas sabe-se que trabalhou na Central, como chefe de turma da segurança interna e foi auxiliar em um escritório de advocacia. Serviços leves e temporários, pois foi curta sua permanência neles."4
Em 1960 Ismael ganhou dois títulos: Cidadão Samba, numa iniciativa do jornalista Sérgio Cabral, e Carioca Honorário, numa homenagem da Câmara dos Vereadores. Três anos depois ficou muito doente, sofrendo com uma úlcera varicosa. Em 1964 fez algumas apresentações no ZiCartola; Em 1965, participou ao lado de Aracy de Almeida do musical O samba pede passagem, no Teatro Opinião, gravado ao vivo. Nesse mesmo ano seu nome apareceu muito nos jornais. Sem dinheiro, o compositor não tinha meios para assistir ao desfile das escolas de samba. Ismael nunca escondeu o fato de não gostar da transformação que as escolas de samba sofreram, com o passar dos anos. Ele dizia que era um espetáculo bonito, mas agora uma brincadeira cara, sofisticada, não mais acessível ao povo. Mas nem por isso queria abandonar sua criação. Passou a dar entrevistas para ver se conseguia um meio de assistir de perto aquilo que ajudou a criar: "Sou sambista; quer dizer, sou pobre. Tive que me virar e pedir a todo mundo para dar um jeito de eu ir à Presidente Vargas"5. Como não conseguiu o ingresso, o compositor deu nova declaração ao jornal : "É injusto que a criação receba auxílio do governo, enquanto o criador cai no esquecimento".6 No ano seguinte as coisas melhoraram. O compositor foi convidado pelas autoridades do Rio para assistir ao desfile e pelo MIS - Museu da Imagem e do Som, para dar seu primeiro depoimento. Além disso o sambista participou de uma série de shows em universidades, sendo reconhecido como um mito da MPB, ou ainda nas palavras de Vinícius de Moraes, "São Ismael", um apelido carinhoso.
Muito cansado, no fim da década de 60, Ismael ainda estava doente. Buscou ajuda na religião e passou a freqüentar a Igreja Messiânica diariamente. Em 1970, o bar Jogral em São Paulo, reduto da MPB na ocasião, resolveu homenageá-lo. Como estava sentindo-se bem, Ismael viajou para SP, e aproveitou para fazer algumas apresentações e programas de TV.
A genialidade de Ismael está contida em suas músicas. Sua obra influenciou diversos compositores de várias décadas, entre tantos, Chico Buarque. "Em 1972, no seu aniversário, Ismael recebeu um presente muito especial: um bilhete de Chico Buarque de Holanda, que dizia: ‘Ismael, você está cansado de saber da minha admiração pelos seus sambas. Você sabe o quanto lhe devo por toda sua obra. O Sérgio Cabral está lhe entregando o meu presente pelo seu aniversário. É muito menos do que você merece. Um grande abraço, de coração.’ Junto com o bilhete, o presente: um envelope com um cheque."7
Suas apresentações foram ficando esporádicas. Em 1973, Ricardo Cravo Albim produziu o show Se você jurar, com Ismael e a cantora Carmen Costa; ambos iniciaram a carreira com Francisco Alves. Ismael, como compositor exclusivo do Rei da Voz e Carmen, como empregada doméstica do cantor. Dois anos depois o compositor foi homenageado pela Escola de Samba Canarinhos da Engenhoca, de Niterói. Ismael desfilou emocionado e confessou que esse foi um dos melhores carnavais de sua vida.
Em dezembro de 1977 Ismael foi operado da úlcera varicosa que tinha na perna. No ano seguinte, um pouco antes do Carnaval, teve princípio de enfarte, mas foi socorrido a tempo. Mas, em 14 de março de 1978, um fulminante ataque cardíaco o levou. Seu corpo foi velado no MIS (RJ) e sepultado no Cemitério do Catumbi. Ismael Silva compôs um pouco mais de uma centena de músicas, a maioria sambas, e poucas marchas.
Principais sucessos :
* A razão dá-se a quem tem, Noel Rosa, Ismael Silva e F. Alves (1932)
* Adeus, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1931)
* Aliás, Ismael Silva (1973)
* Amor de malandro, Ismael Silva, F. Alves e Freire Júnior (1929)
* Ando cismado, Noel Rosa e Ismael Silva (1932)
* Antonico, Ismael Silva (1950) Antonico com Alcides Gerardi (1950)
* Assim, sim, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1932)
* Boa viagem!, Noel Rosa e Ismael Silva (1934)
* Coisa louca, Ismael Silva (1973)
* Com a vida que pediste a Deus, Ismael Silva (1939)
* Contrastes, Ismael Silva (1973)
* Dona do lugar, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1932)
* Gosto, mas não é muito, Noel Rosa, Ismael Silva e F. Alves (1931)
* Liberdade, Ismael Silva e Francisco Alves (1931)
* Me diga o teu nome, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves (1931)
* Nem é bom falar, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves (1930)
* Novo amor, Ismael Silva (1929)
* O que será de mim?, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves (1931)
* Para me livrar do mal, Noel Rosa e Ismael Silva (1932)
* Quem não quer sou eu, Noel Rosa e Ismael Silva (1933)
* Se você jurar, Ismael Silva, Nílton Bastos e Francisco Alves (1930) Se você jurar com Mário Reis e Francisco Alves (1930)
* Sofrer é da vida, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves (1931)
* Tristezas não pagam dívidas, Ismael Silva (1932)
* Uma jura que fiz, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1932)
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